(Foto: Google)
É muito frequente, entre amigos próximos – entre as mulheres é mais expressivo do que entre os homens – que o grupo se exaspere pelo comportamento de uma pessoa, aparentemente teimosa por insistir num comportamento ou escolhas que trazem mágoa e sofrimento.
Eu sei disso. Já estive nos dois lados – a que não “acatava os conselhos do grupo” e a que insistia em emendar a vida de uma amiga ou amigo.
O que não sabemos muitas vezes é que há factores emocionais complexos que regem o comportamento das pessoas.
Por mais que você fale com toda boa vontade, eu não estou a ouvi-lo porque o meu ego me diz coisas contrárias aos seus conselhos.
Esses factores são geralmente crenças baseadas em julgamentos do que é certo ou errado, do que é apropriado e aceitável socialmente.
Quero contar a história de dois personagens parecidos com muitos de nós: a Popinha e o Pompino.
A Popinha, aos nove anos, sai de casa para brincar com as crianças da sua rua, com o coração em conflito entre a esperança e o medo. O seu desejo é que, ao fazer-se a selecção das equipas para jogar trinta-e-cinco, seja escolhida para a melhor equipa.
Trinta e cinco é um jogo que consiste em contar trinta e cinco vezes os cantos de um quadrado de cerca de cinco metros quadrados, sem ser apanhada pela bola. A equipa em serviço posiciona dois membros a lançarem a bola um para o outro, tentando atacar os membros da equipa, que correm velozmente de um canto para o outro na direcção do relógio. Dai que quem não souber correr com grande velocidade será uma “liability”para a equipa.
Mais uma vez, a Popinha é a ultima a ser seleccionada e, quem a selecciona resmunga que preferia ter “calhado com outra pessoa”.
Popinha fez dez anos e vai a uma festa de aniversário. Todas as meninas na festa têm vestidos, meias e sapatos rosa e branco, tudo imaculado, com rendas e folhados. Popinha vestiu o que serviu da roupa do fardo enviado na altura para vítimas das calamidades – mas distribuídos entre os que tivessem “cunha” na igreja, antes mesmo de chegar aos recipientes.
Popinha cresceu e já tem namorado. Nesta relação, Popinha recebe o tratamento de quem é segunda-opção, acompanhada de abusos emocionais e psicológicos. Não conta nada a ninguém, não diz o que pensa, não diz o que realmente se passa. Reclama uma e outra vez, mas prefere omitir o que realmente lhe vai na alma.
Mas porque será, perguntamo-nos? Vergonha!
Ao Pompino lhe cabe outra vivência. Em casa, com sete anos já percebe que não será o favorito do pai, porque “o papá diz que eu devo ser como o meu irmão, que sabe fazer as coisas”.
Estragou-se a tomada, porque o Pompino puxou com força a ficha. Levou uma surra com o papá por ser incompetente.
Pompino já tem 13 anos e a escola toda ri-se dele porque é franzino e baixo em estatura. As meninas não olham para ele como olham com a admiração para os outros rapazes mais famosos.
Já tem 19 anos e conseguiu uma namorada, mas a escolhida tem mais dois namorados. Pompino descobriu isso quando saía da universidade com os seus amigos e cruzou-se com a namorada a sair do carro de outro homem. Com raiva, Pompino deu uma tareia na namorada.
“Porquê será que ele se comporta desta forma?” Vergonha!
Estes são apenas alguns exemplos que reflectem a vida de muitos homens e mulheres, independentemente da idade, raça ou classe social. Há muitos outros.
O que dizer a nós próprios sobre quem somos numa vivência destas como a da Popinha ou do Pompino? Podemos verbal ou não-verbalmente expressar o nosso desagrado pelo comportamento de um e outro, mas o que passamos a acreditar sobre nós próprios? Esses pensamentos é que constroem a vergonha.
A Vergonha é o lugar de nascimento de muito sofrimento, ressentimento, mágoa, medo.
Brené Brown, uma professora que muito admiro, diz que há uma diferença entre a Vergonha e a Culpa: é que a culpa está geralmente relacionada com um determinado comportamento, que justificado/explicado e perdoado fica resolvido. A vergonha é mais profunda, porque está ligada à nossa Identidade.
Daquilo que é a minha experiência e caminhada, sei que muitos de nós constrói, no subconsciente, a crença de que SOMOS fracos, somos inadequados, não merecemos, não prestamos para nada, não somos respeitáveis, não somos amáveis, não somos aceitáveis. Estes são alguns dos adjectivos que as nossas pequenas mentes assimilam e o nosso ego fica a bombar por toda a vida.
Não é por mera filosofia que os mestres dizem que as crenças são pensamentos alimentados por emoções, que se perpetuados ficamos a acreditar que são verdadeiros.
Nem todos estamos, diria a maioria, conscientes disso.
Quando quem se sente abandonado ou deixado para trás entristece-se profundamente; quando alguém perde o emprego; quando alguém não consegue a admiração dos pais/esposas/amigos, quando nos tornamos escravos a partir da simulação dos comportamentos aceitáveis pela maioria (curtir excessivamente, beber em excesso para mostrar proeza).
Aquela voz malandra e maliciosa diz-nos que “HÁ ALGUMA COISA FUNDAMENTALMENTE ERRADA COMIGO”. Essa voz repete que “Eu não sou como as pessoas normais”.
Para a mulher, o auto-julgamento deriva da atitude de achar que não é como as outras, que são femininas, são magras e esbeltas, com sorrisos magníficos, sapatos impecáveis e roupas com estilo da moda. Que têm namorados perfeitos, casamentos respeitosos; não se riem tão alto, bebem apenas cocktails com nomes ousados, que fazem com que elas se tornam mais atraentes; tem a casa no condomínio, crianças com roupas de boutique; fazem ginástica no ginásio mais requintado e viajam para as capitais europeias para fazer compras. Se penso que por não fazer nenhuma dessas coisas sou inferior, eu sinto vergonha.
Entre os homens, é principalmente a ideia de ser fraco perante o pai, sua mulher e seu patrão.
Mas estas não são as únicas manifestações.
Uma manifestação de vergonha que poucos imaginam é o Perfeccionismo!
Na opinião da Brene Brown, o perfeccionismo vem da crença inconsciente de não SER suficientemente bom. Mais uma vez o aspecto da identidade. E eu acredito nisto. Há, para mim uma distinção entre ser perfeccionista e optar por fazer as coisas com excelência.
A excelência manifesta-se com elegância (grandes resultados com pouco esforço), enquanto o perfeccionismo é acompanhado por procrastinação e ansiedade.
Eu pessoalmente já vivi a vergonha porque, em algum momento na minha vida, acreditei que a razão pela qual não era a preferida do “mundo” era porque eu ERA inadequada.
A cura para mim tem vindo do desenterrar dessas crenças – seguindo pensamento por pensamento, observando as emoções associadas e eles, observando o quê ao meu redor os estimula (quando alguém diz ou faz algo que me remete àquele primeiro momento de rejeição na adolescência ou infância), curando e transmutando o que não me serve.
Este trabalho embora possamos fazer sozinhos, não julgo que seja efectivo.
O nosso ego é intelectual e bastante astuto. Vai fazer-nos acreditar que SOMOS O QUE SOMOS e se nascemos para sermos miseráveis, então que seja tal como os povos que acreditam que são inferiores e nasceram para assim ser. Ou que os outros é que devem mudar e não nós.
Atenção à jogada do Ego! A vergonha não é saudável. A culpa é proactiva, porque procuramos emendar um erro. Já a vergonha é terrível, porque ela faz-nos acreditar que SOMOS um erro.
Isto funciona para mim. Se te identificas, procura ajuda.
Nesta revista há montes de referências de cursos, sessões, terapeutas que estão dispostos a ajudar-nos para a nossa evolução ao encontro da auto-aceitação e amor-próprio.
Sou sinceramente grata, Alfredo, pelo teu comentário. É encorajador. Tina
Gosto disto!!! Sincero, actual, local e corajosamente intervencionista. Obrigado Tina, são cronicas deste tipo que nos fazem acreditar em Moçambique “aquele” pais de esperança e muita “alma”!