Neste jornal, já se falou de pessoas manipuladoras, no artigo Sobre pessoas manipuladoras. Já ouvi muitas vezes dizer-se que a manipulação é coisa de pessoas que têm poder, os manda-chuvas (expressão interessante – mandar na chuva), por um lado e, por outro das pessoas consideradas excessivamente “dramáticas”.
O tema interessa-me porque eu acho que fui manipulada muitas vezes na vida. Ok, bem dito, eu é que me deixei manipular nas relações de família, de amizade e até conjugais. Acho que isto é comum para muitos de nós.
O que quero reflectir neste artigo é que, penso que há benefícios para quem manipula e quem é manipulado. Os benefícios são geralmente emocionais, por mais que temporários.
É que o ser humano não se deixa manipular por mero altruísmo, tipo “oh, eu gosto tanto de fazer tudo que me manda/obrigam/forçam a fazer – que giro!” Entretanto, os nossos comportamentos sociais, saudáveis ou não, geralmente trazem-nos algum tipo de beneficio. É um jogo.
Mas, antes de lá irmos, talvez comecemos por perceber o que significa “manipular”, só para que não confundamos com “cooperação” ou “colaboração”.
A manipulação é definida como o “acto de manipular”. E manipular é definido como: preparar com as mãos; mexer ou fazer funcionar com as mãos, preparar manualmente, intervir no desenvolvimento de determinado sistema ou processo, com vista à alteração da sua evolução natural, condicionar, influenciar, geralmente em proveito próprio, adulterar, falsificar.
O que esta definição me faz compreender é que um sujeito usa as suas mãos para modificar o estado natural, reacção ou comportamento natural de outro (objecto ou pessoa).
Vou falar apenas do que entendo nas relações sociais. Esta ideia de manusear com as mãos remete-me à expressão comum “fulana está na minha mão/fulano come aqui na minha mão”. É forte esta expressão.
A manipulação é um comportamento que, apesar de premeditado, é irracional pois não é natural que eu ande a manejar as pessoas com as minhas mãos. Até faz-me rir.
O que se carrega as mãos são objectos, ou crianças que não são capazes de andar, ou ainda pessoas que tenham alguma deficiência que as impeça de se manterem erectas sobre as suas próprias pernas.
O cerne da questão está na necessidade de controlar para satisfazer alguma lacuna emocional ou mental. Pessoas, que andam a procura de ter outras nas suas mãos, alimentam-se emocional e/ou mentalmente da dependência que os outros têm por elas.
Esta dependência faz com que as pessoas que manipulam sintam-se seguras, confiantes de que as coisas andam ou vão andar sempre como elas desejam.
Para quem teve uma infância onde raramente recebeu elogios ou validação pelos seus talentos ou pelas suas proezas; pessoas que cresceram com medo de ser abandonadas por terem perdido pessoas íntimas muito cedo (por separação, abandono ou morte); desenvolvem esta necessidade de “obrigar” os outros a escutá-las, a aplaudi-las, a aceitá-las.
Oprah Winfrey, numa entrevista em Standord University, diz que a maioria de nós, quando interagimos com outras pessoas queremos ter alguma certeza de que fomos vistos e ouvidos, e se o que fizemos ou dissemos teve algum impacto na outra pessoa.
Por si só, esta necessidade não representa algum problema social. Faz parte de ser humano. O que não é natural é forçar essa atenção para nós, quase sempre impedindo, que o outro ser manifeste as suas próprias vontades e desejos.
Uma das Leis do Universo que eu mais gosto é a Lei da Refexão, que diz que aquilo que eu aprecio, receio ou desgosto nos outros reside também em mim. As pessoas são o meu espelho, onde eu projecto a parte de mim que não se tornou ainda consciente. Eu resisto, mas revejo-o nos outros.
Sem a carga energética do auto-julgamento, confesso que vivi relações onde deixava-me manipular pelos outros, para que não fosse rejeitada. Yap. Aceito!
Sabia o que estava a acontecer! Se um parceiro ou amiga disse-se, por exemplo “já não me dás atenção, estás sempre com as outras pessoas, não tens tempo para mim”, a minha reacção era a de acomodar esta lamentação, mudando a minha vida.
Se o parceiro dissesse que eu era rígida ou dura, lá mudava eu a forma de estar, abdicando dos meus desejos e da minha auto-protecção (muitas vezes colocando a minha vida em risco), lá cedia para evitar alguma confrontação, zanga e separação.
No meu subconsciente, criei e mantive a crença de que a obediência era uma forma de garantir que os outros se mantivessem na minha vida. Nisso também há manipulação. Sei disso porque, ao fazer-me disponível, independentemente dos meus sentimentos e desejos, eu também estava a manipular as outras pessoas.
Era uma disposição e disponibilidade falsas, pois não duravam muito tempo. Havia nesse comportamento também a crença de que, ao render o meu tempo e os meus recursos aos outros, de alguma forma eu os tinha “na mão” e eles não me abandonariam.
Mais ainda, se não fosse para fazer o que eles queriam, ao menos conseguiam com que eu me sentisse culpada – o objectivo final, portanto, é que se preste atenção a quem “solicita”.
Mas este comportamento que denota uma necessidade de controlo não é natural ao espírito e nem à mente. É efémero. Dure o tempo que durar, nalgum momento o espírito de cansa de ser oprimido, o nosso EU quer manifestar-se como é.
É nesse momento que fazemos o que podemos (as vezes de forma agressiva e disfuncional) para nos libertamos dessas relações.
Para mim, é penoso para quem manipula e para quem se deixa manipular, porque ambos vivem a vida em função dos outros. A manipulação é diferente da colaboração e a cooperação.
A colaboração implica que as pessoas contribuam na mesma medida para um resultado comum. A cooperação tem o elemento de sacrifício para um bem comum, mas é (ou deve ser) voluntário.
Nas relações manipulativas, estes dois termos são muitas vezes usados, de forma emotiva para que outro ceda à manipulação, quando é acusado de não estar a cooperar ou colaborar.
Nalgum momento, este comportamento deixa de ter os seus benefícios. Deixa de ser necessário e sentimos isso fortemente quando nos tornamos rebeldes. Insurgimo-nos e quem nos manipulava (ou quem nós manipulávamos) espanta-se.
Já ouvi as pessoas a dizerem-se surpresas pelo facto de que a pessoa que estava “na sua mão” não estar mais. E não é para menos que se espante.
Nós é que ensinamos aos outros como tratar-nos. A mudança implica que a relação também mudará o formato e objectivo, daí o outro não saber se ainda tem poder de manipular ou não. Muda a dinâmica da relação. É um desafio.
Para mim, a cura reside na cura das nossas memórias de infância, reconhecendo que nos faltou algo no passado que nos fez acreditar que temos que segurar os outros na mão, para que não escapem ao nosso controlo. Isto também reside na vulnerabilização.
A assistente social e inspiradora Brené Brown diz que ser vulnerável nas relações humanas é o atrevimento de sermos autênticos, de sermos verdadeiros sem o medo da rejeição pelos outros.
A vulnerabilização implica dizer e viver a verdade de quem somos. A cura reside também, para mim, no encontro com o nosso próprio potencial interior. Não mais necessitamos de sobreviver do ar que os outros respiram.
Os nossos vazios interiores são melhor preenchidos pelo reconhecimento de que, como criaturas do universo, nós possuímos abundância de tudo que precisamos dentro de nós próprios.
Não precisamos que os outros sejam a nossa máscara de oxigénio, a não ser que seja para temporariamente encontrarmos o nosso. Criamos relações saudáveis de interdependência.
Isto é o que funciona para mim. E para ti? Partilha os teus comentários e opiniões.
Com amor,
Tina Hlonipha
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